A terceira lei de Newton é conhecida como lei da ação e reação, ou seja, determina que para toda ação há sempre uma reação igual e oposta. Transpor este conceito da física para o urbanismo pode ser útil para avaliarmos as consequências do desenfreado crescimento urbano nas paisagens rurais do nosso planeta. Até 2050, estima-se que a população urbana receberá um incremento de aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas, representando dois terços da população mundial. Esse fluxo superabundante de pessoas para as cidades está provocando um aumento igualmente dramático do fluxo dos recursos naturais para as áreas urbanizadas. Algumas destas implicações, como a exorbitante extração de recursos minerais, podem ser vistas no estudo The Quarry Series do designer gráfico e fotógrafo alemão Tom Hegen, cujas imagens foram utilizadas para ilustrar este artigo.
O Serviço Geológico dos Estados Unidos estima que, para manter o estilo de vida dos americanos, são extraídas mais de 17 toneladas de minerais por ano para cada habitante. Isso significa que cada americano pode ser responsável pela extração de mais de quatro toneladas de rocha, três toneladas de areia e cascalho, trezentos quilos de cimento e sessenta quilos de argila todos os anos. A mineração opera segundo dois métodos principais: escavação e mineração à céu aberto.
Jazidas subterrâneas são utilizadas para a extração de minerais com alta concentração de metais, os quais são encontrados entre sessenta e setecentos e cinqüenta metros de profundidade. O terreno rochoso é perfurado e então explodido para depois poder ser transportado para as usinas que separam o minério do solo através de diferentes processos. Na mineração a céu aberto, como podemos ver nas fotos de Hegen, rochas e minerais são extraídas na própria superfície da Terra sem a necessidade de escavação. Matérias-primas mineradas na superfície da Terra incluem carvão, cobre, cascalho, granito, calcário e gesso.
Embora os tradicionais métodos de mineração sejam utilizados há séculos pelo homem, a humanidade está assistindo a um aumento sem precedentes do consumo de matérias-primas minerais desde o início da revolução industrial. Até o início do século XX, somente os Estados Unidos haviam consumido cerca de 134 milhões de toneladas métricas de minerais. Na virada do século, essa soma chegou na casa dos 3,5 bilhões de toneladas, um aumento de 26 vezes se comparado ao século anterior e 2,5 vezes maior que a taxa de crescimento da população do país no mesmo período. Paralelamente, a porcentagem de matérias-primas derivadas de fontes renováveis, como a madeira, caiu de 50% em 1900 para apenas 8% no ano 2000.
Este aumento significativo na demanda por matérias-primas insustentáveis está vinculado principalmente ao incremento na demanda por areia e cascalho. Isso se deve ao fato de que durante o século XX a maioria dos países industrializados se desenvolveram a partir de um sistema fundamentalmente rodoviarista. A explosão da indústria do automóvel levou à construção de centenas de milhares de pontes de aço e milhões de quilômetros de estradas pavimentadas. Conjuntamente, o número de unidades habitacionais nos EUA aumentou de 16 milhões em 1900 para 107 milhões no ano 2000. Hoje, o setor de mineração nos Estados Unidos movimenta mais de 86 bilhões de dólares por ano.
O fato é que, esta nossa dependência de matérias-primas minerais, quase sempre extraídas em locais muito distantes das cidades em que vivemos, faz com que a pegada das áreas urbanas extrapolem todos e quaisquer limites geográficos. Segundo relatório publicado em 2003 pela Greater London Authority, a cidade de Londres necessita de uma área de terra 125 vezes maior do que a área da cidade para poder abastecer os seus habitantes com alimentos, minerais, água e energia. A medida que as áreas urbanizadas continuam a crescer aceleradamente, as áreas rurais remanescentes estão sendo engolidas por campos de mineração enquanto que as nossas florestas estão sendo transformadas em áreas cultiváveis. A Holanda, conforme detalhado em recente artigo publicado pelo Archdaily, tem explorado novas tecnologias para tornar a produção de alimentos mais eficiente e hoje já é o segundo maior exportador de alimentos do mundo.
A produção de alimentos nem sempre esteve isolada os seus consumidores. No passado, a agricultura era a principal responsável pelas trocas entre o campo e a cidade. Entretanto, é inegável que a tendência à automação e mecanização do campo está criando uma relação cada vez mais unidirecional, explorando as áreas urbanas sem oferecer nenhum benefício em troca. É igualmente alarmante o destino final das pedreiras e áreas de mineração. Terras agrícolas estão se tornando desérticas e improdutivas pela carencia de minerais extraídas de forma tão brutal quanto abrupta.
Este irrefreável processo de urbanização terá consequências definitivas no futuro das áreas não urbanas do nosso planeta. Isto é algo que tem preocupado não apenas biólogos, mas também arquitetos e urbanistas. Rem Koolhaas é um dos nossos colegas que tem chamado à atenção para este fenômeno. O AMO inaugurou recentemente uma exposição chamada de “Countryside, The Future”, na qual apresenta uma reflexão à respeito das transformações ambientais, políticas e socioeconômicas das áreas não urbanizadas. Mudando o foco, Koolhaas afirma que: “ao longo da última década, notamos que, boa parte de nossas energias estavam dedicadas as cidades. De lá pra cá muita coisa mudou, não apenas nas cidades, mas principalmente no campo devido às consequências do aquecimento global, da economia de mercado, das empresas americanas de tecnologia, iniciativas africanas e européias, a política chinesa entre outras coisas.”
Embora o futuro das áreas rurais esteja fadado à forças impostas pelas leis de mercado, nós arquitetos também temos a nossa parcela de culpa nesta equação. Nós devemos ser conscientes e responsáveis pelos materiais que estamos especificando em nossos projetos. Com o rápido desenvolvimento de novas tecnologias e o avanço da industria da madeira maciça e da impressão 3D, temos cada dia mais alternativas aos tradicionais materiais da industria da construção civil.
Independentemente disso, fica claro, tanto pelos dados concretos quanto pelas imagens que ilustram este artigo, que todas as indústrias, incluindo a da arquitetura e construção, precisam urgentemente de novas alternativas e soluções. Já que começamos esta matéria falando da terceira lei de Newton, podemos terminá-la falando da sua primeira e mais importante Lei, a Lei da Inércia: “um objeto permanecerá em repouso ou em movimento uniforme em linha reta a menos que tenha seu estado alterado pela ação de uma força externa.” Se não incorporamos novas alternativas que nos auxiliem a ser menos dependentes dos tradicionais métodos de extração e exploração dos recursos naturais, estamos fadados à manter uma trajetória linear em direção à exaustão dos recursos do nosso planeta.
As imagens que acompanham este artigo foram feitas por aqui.